A estreia nacional das alegorias electrónicas de Miguel Soares, Nuno Crespo

2008.Nov

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Primeira exposição individual do artista num museu português
Nuno Crespo
Diário de Notícias
03Nov2008

O trabalho de Miguel Soares faz parte da geração dos anos 90, não porque começa a expor activamente nessa década mas porque os princípios a partir dos quais constrói o seu trabalho se integram numa procura de novos referentes culturais e processuais nas artes visuais que são comuns a essa década.

Esta exposição, como escreve o comissário Miguel Wandschneider, “corresponde a um acto de reconhecimento de um dos artistas mais idiossincráticos e com um universo obsessional mais singular no contexto artístico português das duas últimas décadas.” A obsessão do artista prende-se com a possibilidade de construir um universo baseado unicamente na possibilidade ficcional e artística dos dispositivos electrónicos e virtuais.

O mundo que constrói tem referências na cultura juvenil e no imaginário da ficção científica. Referências estas provenientes não da típica banda desenhada impressa mas da ficção tal como presente no jogos de computador e na realidade virtual. O mundo que se vê surgir nas animações 3D de Miguel Soares é uma tradução do mundo da vida, dos gestos quotidianos e das suas tensões políticas e sociais.

O mundo artificial ficcionado pelo artista já não pertence à herança moderna e inscreve-se num terreno que se situa depois do mundo contemporâneo, o que acontece nestas alegorias electrónicas afasta todas as possibilidades de reconhecimento entre o que aí se passa e os acontecimentos mundanos. O homem que se vê surgir a três dimensões nos ecrãs de Miguel Soares perdeu o contacto não só com a natureza mas com a própria ideia de humanidade dentro e fora de si. O traço mais humano destes trabalhos é a utilização que o artista faz da música e que cria uma camada sentimental e poética em torno destas imagens que doutro modo seriam frias e distantes. A experimentação da imagem a que se assiste nos seus vídeos e animações são sempre acompanhadas da apropriação de músicas e sua manipulação (Tim Buckley, James Whale ou os Sack & Blum têm presença neste universo 3D).

O dispositivo digital é não o que permite a construção das obras do artista, como é instrumento de crítica política. Temas como o lixo espacial que se acumula no universo e cujas consequência ninguém sabe bem determinar (SpaceJunk de 2001), a guerra fria entre os EUA e União Soviética abundante em discursos de poder (Time Zones de 2003) ou a grande alegoria da origem do homem e do planeta (Place in Time de 2005) são pilares que suportam a actividade de Miguel Soares e que a resgatam de ser gestos meramente lúdicos e estéreis de um ponto conceptual e/ou social.

É uma exposição difícil porque obriga o espectador à aprendizagem de uma linguagem nova, com regras diferentes e com resultados nada habituais nos discursos correntes da cultura visual contemporânea.

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